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10
Mar14

Não tenho medo de não ser humilde

por oladolunar


Estaremos nós todos, Portugueses com P grande ou pequeno, obcecados com a humildade? Se sim, o facto de julgarmos a humildade ou não dos outros, não nos fará menos humildes? Há vida, há pessoa, para além da humildade? O que é queremos mesmo dizer com isto, e o que é uma pessoa humilde?

Comecemos por dizer o que é não ser humilde. Eu não sou humilde. Nem tanto por tentar, como qualquer outra pessoa, ser modesto na maior parte das minhas acções, (conclusão que tiro puramente por comparação, por conduta, por vivência em grupo, família e sociedade, mas que resulta de uma observação mais pessoal, mais próxima); mas sim pela apreciação social que se fará de mim. Temo que seja considerado por muitos, tudo menos humilde. Mas, será que ser humilde, através dos olhos e ambições dos outros, é bom para nós, para os nossos desejos, para a nossa caminhada até algo que, sentimos, nos enobreça? Será que devemos ter medo da polícia da humildade?

Tenho um orgulho desmedido no que faço nos Moonspell. As razões são muitas e nem todas nascentes de oca vaidade. A improbabilidade da nossa carreira, os desafios, as horas, as palavras de desmotivação versus os resultados conseguidos perante quem nos desmotivava. Tudo isto mexe comigo. Se me apanham a dar recados em blogs ou em entrevistas, é porque acho, interna e externamente, que se devia falar do que esta banda faz, não para eu me sentir bem mas porque acredito na motivação positiva do exemplo e é, acreditem ou não, mais esta motivação que qualquer vaidade pessoal que me move. Eu também conheço os erros de Moonspell, sendo responsável por muitos deles e vivo mais sobre a dinâmica de nos ultrapassar a cada momento, do que nos envaidecer por isto ou por aquilo, mesmo que seja por algo muito mas muito importante. Conheçam-nos, os nossos erros, as nossas falhas, as nossas virtudes, é essa a mensagem. Sem vaidade ou jogos do sou melhor do que tu. É assim que se cria cultura, uma cena, uma vida. Temos de olhar em volta, para cima, para o lado, e para isso precisamos não só de saber que alguém se foi embora. Temos também de saber quem ficou. E porquê.

Convivemos com a pressão de ser humildes desde o começo da nossa carreira, das nossas vidas. Se enunciamos um facto, é auto-elogio. Se dizemos que está mal, é puro queixume. Agora que saltámos um pouco do nosso microcosmo, é frustrante constatar que a realidade não é assim tão diferente da que temos vivido, enfiados no nosso nicho, se quiserem. No post do Tordo (que vai para sempre ser a boa/má referência deste blog) muitos me acusaram exactamente de ao expor a minha realidade, cair na falta de humildade. Não é a primeira vez que tal me acontece.

Escrevi durante anos na revista de Heavy Metal Portuguesa Loud! Desisti da minha coluna lá porque a maioria dos leitores já pensavam que eu usava o espaço apenas para promover a banda, não criando dialética. Escrevo sempre do ponto de vista de estar numa banda. É o que faço há já metade da minha vida. É o meu ponto de vista,a minha experiência, o que me faz viver, viajar, trabalhar. O meu assunto. Como poderia eu escrever partindo de outro ponto de vista?

Por outra, se os Moonspell tocam e se coisas boas, que resultam de trabalho, estratégia e timing, nos acontecem, devemos (ou deve alguém) escondê-las a sete chaves no baú da humildade, do pudor? Devem os nossos sucessos, seja os de quem for, estarem dormentes e silenciados, até por nós, por vergonha de falarmos positivamente, com orgulho e vigor ? Será que por cá nunca se ouviu falar de exemplo positivo, de histórias inspiradas, do mérito de vencer? Temos sempre de estar ao lado dos humildes? Serão eles bons exemplos para a nossa vida? Ou apenas figuras castradoras que nos mandam para baixo? Inimigos do nosso bem-estar?

Há já uns dez anos fui às festas da cidade de Loures ver uma banda de que eu gostava bastante nessa altura. Tinha regressado de uma tour, já não me lembro muito bem de onde, e embora ainda andasse a juntar as peças do meu regresso, vi o concerto e fui dizer olá ao camarim. Fui bem recebido e alguém me perguntou o habitual, como estás, como está a banda? Sem lhe fazer uma descrição detalhada do que andávamos a fazer, disse o que tínhamos feito etc. conversa normal entre músicos, colegas de profissão. A conversa ficou por aí. Cá fora entre dois contentores que serviam de camarins, esse mesmo músico fumava um cigarro e dizia à miúda da banda: "está aí o gajo dos Moonspell, a gabar-se de que toca lá fora patati patata..." Eu retirei-me de imediato. A banda, essa, já não existe.

Tem sido esta a história da minha vida enquanto o atrevido que sou, que gosta de fazer as coisas bem, sem desculpas. Que tem opiniões e telhados de vidro, que tem orgulho no que faz, que gosta de partilhar o que de positivo tem a sua experiência, e por aí fora. Se falar de nós próprios, através das nossas coordenadas e contexto é cair no auto-elogio, porque escrevem as pessoas nos jornais, porque opinam nas televisões? Porque acham que os outros são parvos, menores... Porque é que a opinião paga é melhor que a amadora?

Imagine-se a cena: Portugal tem uma filha casadoira. Diversos pretendentes a querem desposar. Um é rico e produtivo. Entra na sala e faz com que a sala pare, com que a noiva suspenda a respiração. Outro é um inventor de coisas práticas e bonitas. Outro ainda é um homem belo e viril, que dará descendência forte e robusta. Ao canto da sala, coberto por um manto está um homem que não se destaca, é apenas humilde e como tal controlável. É esse o escolhido.

Se calhar devia ter estado calado quando escrevi sobre a emigração do Tordo, se calhar sou apenas um pateta metálico que se tentou meter num campo onde já outros pastam e cobrem com fartura, se calhar o que faço não tem assim tanta importância mesmo e mais vale um asilo cultural na mão que a vitória dos gabarolas como eu que querem mesmo fazer alguma coisa mais do que constatar o óbvio.

A vidinha confortável, silenciosa, e humilde não é para mim. Gosto de fazer barulho. Desconfio de gente humilde. Gosto de gente de peito feito e que andem de pé e não de joelhos.


1 comentário

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Marília Rosado Carrilho 11.03.2014

Bem!
Mil vezes escrevo: bem, Fernando Ribeiro!

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